Agricultores testam técnica de cultivo indígena na Amazônia

Ecoturismo & Sustentabilidade

No coração da Amazônia boliviana, agricultores pobres estão testando um modo sustentável de cultivar produtos alimentares básicos que é inspirado em culturas indígenas que viveram há séculos.

A técnica pode oferecer melhor proteção contra os extremos da mudança climática, reduzir o desmatamento, melhorar a segurança alimentar e promete até uma melhoria na dieta.

Pode parecer um sonho fantástico, mas esses são objetivos robustos de um projeto de dois anos que está sendo desenvolvido por uma ONG perto de Trinidad, a capital do Departamento de Beni.

O sistema é baseado na construção do que chamam de 'camellones' - plataformas elevadas de até dois metros circundadas por canais. Os camellones podem proteger as sementes e os grãos de serem encharcados, já que são construídos acima do nível das enchentes. A água dos canais que os circundam agem como uma fonte de irrigação e de nutrientes durante a estação de seca.

Algumas culturas pré-colombianas que existiram em Beni entre 1000 a.C e 1400 d.C usavam um sistema similar. "Um dos muitos aspectos extraordinários do nosso projeto de camellones é que comunidades pobres residentes em Beni atualmente estão usando uma tecnologia similar àquela desenvolvida por culturas indígenas, pré-colombianas na mesma região para resolver uma série de problemas similares", disse Oscar Saavedra, diretor do Kenneth Lee Foundation e responsável pelo projeto.

Esses problemas incluem lidar com as enchentes frequentes que seguem as secas. "As enchentes são a base para o desenvolvimento e prosperidade de uma grande civilização", disse Saavedra.

As enchentes continuam sendo um problema enorme em Beni. Em 2008, a região foi atingida pela maior dos últimos 50 anos. Mas os dois anos anteriores também foram ruins. No ano passado, a enchente afetou cerca de 120 mil pessoas - aproximadamente uma em cada quatro moradores do Departamento - e causou prejuízos de mais de US$200 milhões. A experiência da enchente de 2008 fez muitas mulheres se envolverem no projeto dos camellones.

"Eu plantei arroz, milho, banana e cebola no meu pedaço de terra, mas água não deixou nada", disse Dunia Rivero Mayaco, de 44 anos, mãe de três filhos e moradora de Puerto Almacén, perto de Trinidad.

"Perdi minha casa também. Tivemos que viver três meses em abrigos temporários na estrada principal e as crianças ficaram doentes. Por isso estou trabalhando aqui com os camellones . Não queria perder tudo denovo", disse.

Produtividade
Cerca de 400 famílias estão cadastradas no projeto em cinco regiões diferentes, cultivando principalmente milho, mandioca e arroz. Muitas das plantações ainda estão na fase experimental, mas os primeiros sinais são promissores. A produtividade parece estar aumentando.

"Esses camellones nos ajudarão quando as enchentes chegarem", disse Maira Salas, da vila de Copacabana, localizada a 20 minutos de barco descendo o rio Ibaré.

"Produtos como a banana, que morrem facilmente, têm uma chance melhor de sobrevivência. Somente agora estamos aprendendo como nos antepassados viveram e sobreviveram. Eles não tinham tratores para construir os camellones , e sobreviveram por anos. É incrível ", disse Salas. Os moradores são convidados a incorporarem as enchentes e vê-las como uma benção, não uma maldição.

Durante a estação das chuvas, grandes áreas de terra de Beni ficam submersas por vários meses, com exceção das áreas elevadas. Quando a água recua para os rios afluentes que correm na Amazônia, leva os nutrientes junto, deixando um solo arenoso e marrom que dificulta o cultivo. Mas com o projeto dos camellones , a água deixada pelas enchentes é armazenada para trazer fertilidade ao solo e irrigação durante os tempos de seca.

Em resumo, a população pobre pode se transformar, de vítimas das enchentes, a mestres em usar o excesso de água em vantagem própria. A ONG Oxfam está ajudando o projeto em parte porque os camellones oferecem aos pobres a possibilidade de se adaptarem às mudanças climáticas.

Se os ciclos do El Niño /La Liña realmente aumentarem em intensidade e frequência, conforme previsto por diversos especialistas, o projeto teria a capacidade de ajudar as famílias pobres a superarem melhor os eventos climáticos extremos e as chuvas imprevisíveis que estão por vir. "Não deveria importar quando a chuva vem, já que a água pode ser administrada em qualquer época do ano", disse Oscar Saavedra.

Vantagens
Outras vantagens em potencial do projeto incluem:

- O sistema usa fertilizantes naturais, em especial uma planta aquática nos canais chamada de tarope, que purifica a água e age como um fertilizante quando entra em contato com a terra

- Os canais também podem oferecer alimentos para os animais e nutrientes para o solo

- Os camellones podem agir como um banco de sementes natural que podem sobreviver às enchentes

- O sistema pode reduzir a necessidade de cortar as áreas florestais ao redor das comunidades. Isso porque o solo nos pedaços de terras tradicionais fica exaurido após dois ou três anos, o que força os agricultores a desmatar para criar mais espaço para o plantio, cortando as florestas para cultivar nas áreas abertas.

Tudo parece ser bom demais para ser verdade. Algumas mulheres dizem que o teste verdadeiro virá quando chegar um ano de fortes enchentes ou secas severas. Até agora, 2009 não foi um dos piores.

Ainda há outros desafios enormes pela frente. Um deles é tentar gerar um lucro com a produção de tomates e outros produtos de jardim para as famílias. Outro é tentar superar o ceticismo de alguns moradores locais sobre o tempo e o esforço físico investidos nos camellones, comparado com outras fontes de emprego locais.

Oscar Saavendra, que experimentou durante seis anos no seu próprio jardim para tentar fazer o complexo sistema de hidrologia funcionar, está convencido de que o projeto dos camellones pode ser expandido, inclusive para outros países.

"Esse processo pode ser repetido em várias partes do mundo com condições similares às de Beni, como em partes de Bangladesh, Índia e China. Pode ajudar a reduzir a fome mundial e combater a mudança climática", disse.

Terra.com

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