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Efeito colateral – Os benefícios que o etanol pode trazer à luta contra o aquecimento global são bastante conhecidos. O álcool polui menos que o diesel e a gasolina, e vem se consolidando como uma das apostas brasileiras no setor energético. Porém, todo esse potencial ambiental pode acabar prejudicado se não forem tomados alguns cuidados no processo de fabricação do combustível. O problema está na queima da palha da cana-de-açúcar — uma das etapas ainda usadas na produção do etanol e do açúcar — que acaba liberando grandes quantidades de compostos de nitrogênio na atmosfera. Entre as consequências do excesso dessas substâncias no ar, está a formação de chuvas ácidas e da chamada chuva seca (contaminação com dióxido de nitrogênio que pode atingir as regiões próximas das usinas — veja arte). Reportagem de Silvia Pacheco, no Correio Braziliense.
Os efeitos da chuva seca são muito danosos ao meio ambiente. “Espécies de plantas e micro-organismos que absorvem o nitrogênio mais rápido podem se proliferar e tomar o lugar de outros, destruindo o equilíbrio do ecossistema e sua biodiversidade. Nos ambientes aquáticos, o efeito é imediato, com o crescimento exacerbado da população de algas, que libera toxinas e consome quase todo o oxigênio da água”, explica Arnaldo Cardoso, pesquisador do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (IQ/Unesp).
Foi justamente tentando entender a proliferação excessiva de algas observada em represas e rios de São Paulo que os cientistas da Unesp identificaram os malefícios da queima da palha para o estado. Outros estudos já haviam observado que as águas arrastam nitrogênio proveniente dos fertilizantes usados nas plantações até os rios, córregos e represas. Porém, a concentração nas represas estava muito alta para ser resultado apenas desse processo. “Foi então que resolvemos medir a concentração desses gases no ar”, conta o pesquisador.
A equipe da Unesp mediu a quantidade de compostos de nitrogênio na atmosfera, durante diferentes épocas do ano, na região de Araraquara, que fica no centro da maior região produtora de cana de São Paulo. Os cientistas observaram que esses gases aumentam, principalmente, quando há um número maior de queima de palha de cana na região. As medições duraram dois anos. “Correlacionamos os números de queimadas com a quantidade de óxido de nitrogênio e ácido nítrico na atmosfera e chegamos à conclusão de que o vilão, na região, é uma das etapas da produção de etanol: a queima da palha de cana”, alega Cardoso.
De acordo com Segundo Urquiaza, pesquisador da Embrapa Agrobiologia, a quantidade desses compostos ainda é pequena e não traz tantos prejuízos. Porém, Urquiaza alerta para o uso das queimadas na produção de etanol. “Temos de reduzir ao máximo a emissão de nitrogênio, porque ele repercute negativamente no balanço de emissão de gases no sistema de produção de etanol de cana.” A saída, segundo ele, é fazer a queima da palha controlada em usinas termoelétricas. “Dessa forma, a queima da palha pode se transformar em energia”, esclarece.
Fim das queimadas
Manuel Régis, pesquisador do Centro Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), órgão do governo federal, afirma que o estudo precisa definir em que grau esse excesso de compostos de nitrogênio prejudica o ambiente. “É difícil comprovar o impacto desses gases. Há outras origens, como as emissões dos carros, além do uso de fertilizantes e queimadas.”
Régis diz ainda que as queimadas desse tipo estão com os dias contados, pelo menos em São Paulo, onde o problema foi detectado. Um acordo entre a União dos Produtores de Cana de São Paulo (Unica) e cooperativas de fornecedores de cana formalizaram, em 2007, na Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo, o compromisso de acabar com as queimadas da palha de cana até 2014. Desde 2002, uma lei estadual de São Paulo, nº11.241, prevê que as queimadas sejam banidas na cultura de cana até 2030. “Em função desses compromissos, o excesso de compostos de nitrogênio na atmosfera, proveniente da produção de cana, é um problema que não merece ser mais acompanhado”, afirma o pesquisador do CTBE.
Cardoso, da Unesp, afirma que o estudo busca uma compreensão melhor do processo de produção do etanol e não tem o objetivo de criticar a adoção do combustível. “É importante destacar que o artigo (resultado da pesquisa) não é contra o uso e a produção de biocombustível. Toda produção e utilização de um material em larga escala pelo homem resultam em danos ambientais, e o fato de conhecermos o problema é importante para a utilização do material com o cuidado que ele merece.”
Portal EcoDebate
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