Cerrado: paisagem esquecida e ameaçada

Ecoturismo & Sustentabilidade

O termo savana, de origem venezuelana, foi empregado pela primeira vez por Oviedo y Valdez em 1851 para designar os “llanos arbolados da Venezuela”, sendo posteriormente utilizado na África pelos naturalistas espanhóis. Já o termo “cerrado”, nesse período, sempre foi associado ao primeiro, sobretudo, para caracterização das savanas mais densas. Tudo indica que o Brasil, por apresentar uma savana predominantemente arbórea (Cerrado sentido restrito), tenha adotado o termo Cerrado como próprio para designar o bioma.

De acordo com a classificação dos primeiros naturalistas exploradores, dentre os quais se destacam Alexander Von Humboldt, Carl Friedrich Von Martius, August Saint Hilaire, Langsdroff, Löfgren, Warming, entre outros, o atual Cerrado foi denominado como “Oreades”, por Martius, “Campos de capoeira” nos termos de Langsdroff, entre outros no decorrer do séc. XIX. Os indígenas desse período referiam-se às “Caatanduvas” para designar as formações de Cerradão e às “Caatiningas” para as de Cerrado sentido restrito, Löfgren (1898) apud Walter (2006). Popularmente, nesse período, o Cerrado também foi conhecido como “Tabuleiro”, certamente pela influência causada pelos aspectos geomorfológicos (Chapadões, Mesas e Platôs) de seus ambientes associados.

A Bio-Geografia do Cerrado
Genericamente podemos dizer que a vegetação, bem como a vida animal presente num determinado ambiente, é reflexo das condições ambientais ali existentes, ou seja, tais elementos (bióticos e abióticos) envolvidos ecologicamente pela dinâmica natural de seus ciclos e processos interativos constituem o chamado ecossistema. A origem do Bioma Cerrado, na verdade seu conjunto de ecossistemas, é ainda bastante discutida, sendo que a hipótese mais aceita é a de que tal vegetação se manifesta em função de três principais fatores; o clima, os solos, e a biota, que variam conforme a escala evolutiva (tempo geológico) e a escala sucessional (tempo ecológico). No Quaternário fica evidente a influência que o homem vem causando na modificação dessas paisagens.

O Cerrado numa perspectiva global é conhecido como a savana brasileira, já que, savana é o termo mais utilizado para designar as fisionomias vegetais ocorrentes na faixa intertropical e predominantemente formadas por uma camada contínua de vegetação herbácea e um dossel descontínuo de arbustos e árvores.  Sua área de abrangência é da ordem de 20 milhões de Km², ocupando o território de mais de 30 países. Só no continente Africano as savanas ocupam 50% do território e no caso do Brasil, temos 10% das savanas do globo. A área de abrangência do cerrado brasileiro é da ordem dois milhões de Km² classificando-o como o segundo maior bioma do país.

No Brasil, assim como em toda área de ocorrência das savanas, temos de acordo com estudos diversos um alto índice de biodiversidade. As últimas compilações apontam que a diversidade biológica de vegetais no Cerrado ultrapassa as 12.600 espécies.  No mesmo ano a EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) publicou um checklist com nada menos que 12.356 espécies de plantas, sendo que, 44% destas são endêmicas do Bioma. Há consenso entre pesquisadores quanto ao alto índice de endemismos e de biodiversidade, independentemente do enfoque metodológico adotado.

Em estudo publicado recentemente, FELFILI (2007), concluiu que apenas na região do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Goiás), ocorrem 2.661 espécies de plantas vasculares. Igualmente surpreendente, foram os números obtidos sobre um levantamento de espécies de vertebrados realizado na região do Jalapão (Leste do Tocantins), quando foram coletadas mais de 440 espécies, das quais 14 eram totalmente desconhecidas.

Segundo Dias (1996), estimativas apontam que ocorram no Cerrado não menos que 320 mil espécies, sendo que este bioma apresenta 50% das aves do país, 40% dos mamíferos, 38% dos répteis e 45% dos peixes significando 30% da biodiversidade do Brasil. A ictiofauna (peixes) do Cerrado e Pantanal segundo o MMA é constituída por cerca de 780 espécies, sendo as bacias hidrográficas do Araguaia e Tocantins as mais variadas em espécies.

Panorama atual
Internacionalmente o Cerrado é reconhecido como o Domínio savanóide mais diversificado biologicamente, porém, é igualmente conhecido pelo seu acelerado processo de degradação, o que o coloca na lista dos Hotspots mundiais (áreas de alta biodiversidade e seriamente ameaçadas de sofrerem descaracterização natural).

Historicamente é sabido que a agropecuária inserida em meados da década 50 é a grande responsável pelo avanço do setor econômico do país. O desenvolvimento desse setor na porção central do Brasil vem passando desde esse período por inúmeras flutuações influenciadas por questões políticas, estruturais, técnicas e, sobretudo, pela demanda dos mercados, principalmente externo, que se refletem espacialmente na forma das frentes de expansão agropecuária.

Estas, pautadas em um baixo nível tecnológico, necessitam de grandes áreas para atingir altos níveis de produtividade, inutilizando-as ciclicamente devido ao esgotamento nutricional de seus solos.  As “tradicionais” queimadas, comuns na estação seca, assim como a expansão da rede urbana brasileira também são fatores contribuintes para a diminuição da área original do Cerrado. Estima-se que 80% dessa área já tenha sofrido algum tipo de intervenção humana.

Numa escala continental, se observarmos um mapa de vegetação da América do Sul, veremos que o Cerrado ocupa uma posição central, o que significa que sua conservação é de fundamental importância para os fluxos migratórios, genéticos e para a manutenção da biodiversidade dos biomas circunvizinhos. Prova disso é o que ocorre no Parque Nacional das Emas (Goiás). Trata-se de uma verdadeira ilha preservada, cercada de plantações onde pesquisadores trabalham no sentido de criarem macro-corredores de biodiversidade, um em direção ao Pantanal e outro em direção à Mata Atlântica. Nesse sentido devem ser incentivadas ações de criação (e implantação) de Unidades de Conservação, possibilitando a maior mobilidade das espécies entre os fragmentos florestais e as matas galerias ao longo dos cursos d’água.
A importância do desenvolvimento de ações conservacionistas não se limita apenas às questões biológicas e paisagísticas. No Cerrado estão às nascentes das principais bacias hidrográficas da América Latina. No sistema Araguaia-Tocantins, 71% de suas águas nascem nas áreas de Cerrado, assim como 70% das águas da Bacia do Paraná-Paraguai, 94% da Bacia do São Francisco e porção significativa da bacia do Parnaíba. Nesta última tivemos um avanço significativo com a implantação da maior Unidade de Conservação de proteção integral do Cerrado, o Parque Nacional das Nascentes do Parnaíba, (Chapada das Mangabeiras entre o MA, PI e TO) criado em 2002, com aproximadamente 744 mil hectares.

A questão da degradação se torna mais complexa quando se pensa no impacto social gerado para as populações indígenas e comunidades tradicionais e no quão são reduzidos os conhecimentos sobre as propriedades medicinais das plantas e dos ambientes associados ao Cerrado, como a grande diversidade de cavernas e de áreas úmidas (Veredas, Lagoas, campos). É tempo (ainda) de olharmos com outros olhos para a manutenção de nossos biomas, a Amazônia merece destaque por sua riqueza e dimensão, porém, o Cerrado assim como os demais merece ações mais empenhadas no que tange à conservação.

Alexandre Lino Pontalti é fotógrafo de natureza, estudante de Geografia pela Universidade Federal do Tocantins e desenvolve pesquisas nas áreas de Botânica (Bioma Cerrado) e Espeleologia no Estado do Tocantins. Contato: ale_pontalti@hotmail.com
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