Cientistas coletam sementes para salvar espécies da extinção

Ecoturismo & Sustentabilidade

A espécie Cirsium pitcheri, cujas macias folhas e cremosas protuberâncias rosadas povoaram as dunas de vários dos Grandes Lagos, quase foi extinta pelo desenvolvimento, aridez e besouros às margens do Lago Michigan há algumas décadas. Mas na década de 1990, sementes coletadas de diferentes variedades da planta foram cultivadas no Jardim Botânico de Chicago e plantadas com a ajuda da organização Morton Arboretum ao longo do lago, que fica no Parque-Praia Estadual de Illinois, a norte de Chicago e próximo da fronteira estadual com Wisconsin. As plantas das dunas de Indiana, ao sul, vão bem, aquelas vindas do norte, não.

Tendo esses dois resultados em mente, cientistas do jardim botânico estão enviando equipes para atravessar o Meio-Oeste e o Oeste até as Montanhas Rochosas e a Grande Bacia e coletarem sementes de diferentes populações de 1,5 mil espécies habitantes de pradarias até 2010 e pelo menos três mil até 2020. A meta é preservar essas espécies e, dependendo das mudanças no clima, talvez até ajudar aquelas que geralmente crescem próximas umas das outras a migrar para uma nova área.

"Em 50 a 100 anos, pelo fato de habitats ou climas estarem muito diferentes, é possível que acabemos tentando transportar espécies em grupo, dentro de um contexto de recuperação de áreas", disse Pati Vitt, cientista conservacionista e curadora do Banco Nacional de Sementes da Pradaria Dixon, no jardim botânico.

O jardim está atrás de autorizações para testar o conceito com a C. pitcheri, levando-a para um território mais frio, às margens do Lago Ontário. "Pode ser o melhor teste de caso quanto à mudança de uma espécie individual para fora de sua área", disse Vitt. Mas a migração assistida, como é chamada, gera intenso debate. De um lado estão aqueles, como os cientistas do jardim botânico, que argumentam que assumir o risco é melhor do que não fazer nada.

"Sabemos que a mudança climática será provavelmente muito rápida e que as sementes se dispersam naturalmente ao longo de apenas algumas centenas de metros, menos de um quilômetro", disse Kayri Havens, diretora para botânica e conservação do jardim botânico. "Elas vão precisar de nossa ajuda se quisermos manter essas espécies vivas."

Outros cientistas argumentam que se aventurar na complexidade de habitats é flertar com o desastre - e a um alto custo. "Mesmo com nossa melhor ciência, não somos bons na previsão de quais espécies serão invasoras", disse Jason S. McLachlan, biólogo da Universidade de Notre Dame que estudou a dispersão populacional pós-glacial. "E será especialmente complexo enquanto o clima muda."

A faia americana, por exemplo, era tão rara durante a era glacial que é raramente encontrada em fósseis. "Poderia ser uma das espécies raras e incomuns que consideramos salvar com práticas como migração assistida", disse McLachlan. Agora, a faia é tão abundante nas florestas do leste, disse ele, que está privando de luz "quase todas as outras espécies". McLachlan e outros cientistas formaram um grupo de remanejamento gerenciado, financiado pela Fundação Nacional de Ciência e a Fundação Cedar Tree, para ampliar o debate entre cidadãos, economistas, gestores de recursos naturais e formuladores de política.

Enquanto ocorre o debate, os cientistas do jardim botânico estão montando o acervo de sementes e avaliando a adaptabilidade de diferentes populações de espécies. Vitt e Havens abriram recentemente o Centro Botânico Rice, formado por laboratórios e um cofre de sementes de 39 m² com prateleiras de aço inoxidável do chão ao teto.

Quando a temperatura do freezer gigante de umidade controlada se estabilizou em -20º C no fim de setembro, os grupos de 800 espécies do meio-oeste ¿ alguns com até 300 mil sementes ¿ se mudaram de seu antigo lar para quatro grandes congeladores, não muito diferentes daqueles que uma grande família usa para armazenar legume e carne.

"A primeira vez em que entrei lá, comecei a chorar", disse Vitt. "Sei o que esse cofre pode fazer por nós no futuro. É o trabalho de conservação mais importante que o jardim pode fazer."

A iniciativa das pradarias integra um projeto do Birô de Gestão de Terras chamado Sementes do Sucesso, que pretende coletar sementes de toda a flora dos Estados Unidos, exceto espécies recalcitrantes e que já estão protegidas ou aquelas que não sobrevivem ao armazenamento de longo prazo. Isso corresponde a 14 mil espécies de plantas nativas.

O Sementes do Sucesso, iniciado em 2001 em resposta a uma ordem do Congresso para plantar sementes de plantas nativas na recuperação de terrenos públicos destruídos por incêndios, começou sua iniciativa bem mais ambiciosa em junho de 2008.

Um consórcio de jardins botânicos e outras instituições enviou 65 equipes por todo o país, que já coletaram agrupamentos de 3,2 mil espécies. ¿Esperamos coletar 20 populações na área de alcance da espécie para termos 95% de sua diversidade genética¿, disse Peggy Orwell, gestora do programa de conservação de plantas do birô. "Porque, francamente, não sabemos do que vamos precisar quando falamos de recuperação à luz da mudança climática. Será uma grande experiência."

O Sementes do Sucesso envia uma coleção de cada espécie para o projeto Banco de Sementes do Milênio, nos Jardins Botânicos Reais, em Kew, Reino Unido, que pretende coletar 25% de toda a flora mundial até 2020. As sementes são armazenadas no Centro Nacional para a Preservação dos Recursos Genéticos, em Fort Collins, Colorado, e na Estação de Introdução de Plantas Regionais do Oeste, em Pullman, Washington.

O banco de sementes Dixon, do Jardim Botânico de Chicago, abriga não apenas espécies da pradaria, mas também nativas de pântanos, dunas e outros ecossistemas na região de pradaria. Ele também inclui o trabalho com grupos de espécies separadas para recuperação de áreas. "No Meio-Oeste, temos cerca de 200 que serão muito importantes", disse Havens. ¿São as espécies matrizes, espécies básicas que podem ser usadas em recuperações depois de algum problema, para realmente estabilizar a comunidade."

Todos os modelos climáticos mostram as temperaturas subindo, mas não há consenso quanto ao futuro do clima na pradaria. "Alguns modelos mostram um ecossistema mais parecido com o da Virgínia, outros, do Texas", disse Havens.

Em um artigo que será publicado no periódico Biology Conservation e que está disponível online, Vitt, Havens e três outros cientistas do jardim botânico esboçam um projeto para a migração assistida, que primeiramente pede uma estratégia de armazenamento de sementes globalmente unificada, o que envolve a coleta de populações geneticamente diversas de cada espécie acompanhada de dados de origem, como coordenadas de GPS, tipo de solo e estrutura da comunidade de plantas ao redor.

Eles também propõem uma forma de prever para onde espécies poderiam ser remanejadas. Os cientistas estão apenas começando a testar suas teorias em sete jardins de mudança climática plantados no outono por todo o país. Cada um contém clones geneticamente idênticos de plantas cultivadas de sementes coletadas em quatro zonas desfavoráveis (4, 5, 6 e 7). Três locais estão na área de Chicago, com os outros em Boston, Chapel Hill (Carolina do Norte), Seattle e Washington.

Estudantes e voluntários vão coletar dados sobre as espécies e poderão comparar seus jardins com outros por meio de um sistema de webcams. "Se as plantas cultivadas a partir de sementes coletadas na Zona 4, 5 ou 6 não aguentarem as condições do Texas", disse Havens, "isso é um forte sinal de que elas serão extintas por aqui se não conseguirem migrar sozinhas nem receberem assistência humana".

Coletar todas as espécies nativas dos Estados Unidos, bem como desenvolver técnicas de recuperação de área e cultivar grandes quantidades de sementes vai exigir cerca de 10 anos a um custo aproximado de US$ 500 milhões, disse Havens ¿ um custo que ela garante valer a pena. Segundo Vitt: "Não estarei por aqui em 100 anos, mas se a pesquisa acabar, não saberemos o que fazer nessa escala. É por isso que o banco de sementes é tão importante".

"Por enquanto, estamos tentando seguir a máxima de Aldo Leopold: 'A primeira regra do reparo inteligente é manter todas as peças'.

Tradução: Amy Traduções
The New York Times
0 Responses