Genericamente, seja na indústria, comércio, como também na agricultura, quando se fala em alta produtividade, inevitavelmente deposita-se o pensamento na associação com uma cultura e/ou sistema puramente capitalista e devastador. Quando o termo agricultura é pronunciado como agribusiness ou agronegócio, esta associação fica ainda mais marcante, na figura dos fertilizantes químicos, agrotóxicos, máquinas pesadas, manipulação genética, etc. Por outro lado, quando se fala em respeito ao meio ambiente, no contexto da agricultura, a associação é feita com um modelo improdutivo ou pouco produtivo, utópico, de subsistência e de produção desqualificada.
Seria possível unir estes dois modelos, utilizando-se formas sustentáveis de se manter um agronegócio, mesclando retorno financeiro e sustentabilidade ambiental? Sim, deste casamento não interessa apenas a sustentabilidade ambiental, mas também a sustentabilidade econômica do negócio, com sustentabilidade social (leia-se responsabilidade social). Em dias de COP15, de mobilizações pelo futuro do planeta, dias de aquecimento global, dias de globalização, de oscilações do cambio, crises financeiras, o termo sustentabilidade está muito em voga e é até "chic" falar no assunto, tanto que é até comum corporações ligadas à insumos agrícolas que promovem impacto negativo ao meio ambiente, utilizarem o termo sustentabilidade em seus slogans. O conhecimento de técnicas simples e da aplicação de um conjunto de boas práticas agrícolas pode garantir a produção de mais por menos, impactando o mínimo possível o nosso ambiente e isto deve ser levado muito mais em conta do que o simples ativismo ambiental.
O termo agribusiness foi criado por dois professores na universidade de Harvard, Estados Unidos, no final da década de 50 e define-se como "o conjunto de todas as operações e transações envolvidas desde a fabricação dos insumos agropecuários, das operações de produção nas unidades agropecuárias, até o processamento e distribuição e consumo dos produtos agropecuários “in natura” ou industrializados”. (Araújo, J. Massilon apud Rufino, 1999).
Já o termo sustentabilidade pode-se definir baseando-se em três aspectos: Desempenho econômico, responsabilidade social e responsabilidade ambiental. Antes que digam que a união harmoniosa entre a agricultura economicamente produtiva e a sustentabilidade nas suas faces é apenas uma teoria acadêmica, hoje em dia, a sua implementação é um desafio tanto quanto necessidade e deve ser abraçado por todos da cadeia do agronegócio, não só consumidores.
Falando em consumidores, pesquisam indicam que uma maior porcentagem dos consumidores atuais são motivados a consumirem e pagarem mais por produtos "verdes", desde que o benefício seja direto, como por exemplo o de trazer maior segurança alimentar ao indivíduo. É fundamental também que se promova uma Metanóia (Palavra grega que significa mudança de mente), estimulando os consumidores a investirem seus recursos em produtos que também promovam o benefício global, entendo por exemplo que mesmo a não poluição dos solos do outro lado do mundo, reflete na qualidade de vida deste lado aqui.
Celeiro do Mundo
O Brasil é tradicionalmente grande produtor e exportador de alimentos, principalmente na forma in natura. Exemplos disto são as frutas do vale do Rio São Francisco, a carne bovina da região sudeste, sul e centro-oeste. Para isso, hoje existem vários protocolos de certificação para estes produtos, de acordo com cada mercado a que se destine, sejam redes de supermercados da Comunidade Européia e EUA, como protocolos instituídos apenas para entrada dos produtos nestes lugares do planeta. Estes protocolos são feitos de algumas dezenas de pontos de controle e critérios de cumprimento que exigem o respeito às carências dos agrotóxicos aplicados, também a alternância dos princípios ativos destes mesmos agrotóxicos, para que as populações de pragas não desenvolvam resistência aos produtos. Exigências quanto a evidência do fornecimento de equipamento de proteção individual aos colaboradores das propriedades rurais, realização de capacitações nas funções desempenhadas e até a evidência da informação das normas de segurança da propriedade rural aos colaboradores e visitantes (Isto inclui os auditores dos protocolos) podem também ser encontradas de uma forma comum a praticamente todos estes protocolos de certificação.
Todas as propriedades rurais, tanto de pequeno, médio e grande porte, ao submeter sua produção agropecuária à exportação já desenvolveram procedimentos para o cumprimento destes critérios da certificação, que apesar de pelo menos na teoria, garantir a sustentabilidade social e ambiental, não garantem em nada a sustentabilidade econômica. Nenhum destes certificados agregam valor aos produtos exportados por serem produzidos através de práticas mais “justas” e/ou “limpas”. Pelo contrário, onera ainda mais o custo de produção, através do valor de aquisição destes certificados. Este é um exemplo de sustentabilidade imposta e desequilibrada.
Promover sustentabilidade pode parecer inviável, mas sempre valerá a pena, fazendo-se necessário uma mudança generalizada de conceitos e quebras de paradigmas, onde a própria sustentabilidade deve ser repensada e o compromisso com ela deve acontecer debaixo pra cima, por meio de cada ator da cadeia produtiva, não dependendo unicamente de políticas públicas.
Conta-se que um homem sempre sentiu o desejo de mudar o mundo, e vê-lo mais limpo. Percebendo que era impossível fazê-lo sozinho, decidiu apenas varrer a calçada da sua casa. Fazendo isso, influenciou a sua rua. A sua rua influenciou o seu bairro. O seu bairro influenciou a sua cidade. A sua cidade influenciou o seu estado. O seu estado influenciou o seu país e o seu país influenciou o mundo. Mesmo fazendo os devidos descontos da teoria levada à prática, esta deve ser a atitude de todos em busca da verdadeira sustentabilidade.
Mas como garantir a plena sustentabilidade, inclusive garantindo a viabilidade econômica? Um bom começo está na utilização de tecnologias “verdes” que tragam menor custo de produção e ao mesmo tempo mantenham a produtividade e por que não, agreguem produtividade.
Hoje, estas tecnologias são absolutamente acessíveis e algumas são até conhecidas do agronegócio. Aliado a isso, podemos destacar exemplos de empreendedorismo sustentável.
Adubação Verde
A adubação verde é uma técnica de adubação orgânica que utiliza espécies vegetais e que antes de completarem seu ciclo vegetativo, são fragmentadas, servindo para decomposição ou cobertura do solo agrícola. Esta técnica já conhecida e utilizada há mais de 1000 anos por várias civilizações da terra e que busca a melhoria das condições físicas, químicas e biológicas do solo. As espécies mais utilizadas são as leguminosas (espécies que frutificam através de vagens), devido à sua associação à bactérias que absorvem o nitrogênio do ar e o fixa no solo, disponibilizando para as plantas. Diversos outros benefícios podem ser obtidos através da utilização desta técnica:
1.Promove a reciclagem dos nutrientes das camadas mais profundas do solo para as mais superficiais na faixa de 0 a 40cm que é a rizosfera (camada de contato das raízes com o solo e com população microbiana bem mais elevada).Para isso utilizam-se espécies de sistema radicular (raízes) mais profundas, próprias para esta finalidade. isso também permite uma descompactação dos solos e conseqüente aeração, evitando a utilização de máquinas pesadas de subsolagem, que necessitam de alto custo e consumo de energia.
2.A adubação verde contribui também para o controle de ocorrência de "ervas daninhas" ou "plantas invasoras", como são mais conhecidas, embora pesquisas indicam-nas como opção para a formação do "coctel" de espécies que compõem a adubação verde. Este controle pode ter efeito de diversas formas. Uma delas é controlando a luminosidade sobre o solo, o que limita a germinação das sementes dessas ervas, através da grande biomassa gerada (folhas, palhas, etc). Outro efeito da adubação verde sobre as ervas daninhas é o efeito chamado de alelopático, onde são liberadas substâncias pelas raízes que inibem a germinação das sementes.
3.Além da ação sobre o controle de insetos pragas, sobre o enriquecimento de matéria orgânica do solo, com certeza, um dos maiores benefícios desta técnica é com a diminuição dos fertilizantes nitrogenados, principalmente os de origem do petróleo. Isto se deve a fixação biológica do nitrogênio do ar atmosférico para o solo. Pesquisam comprovam q estas plantas podem fixar no solo uma grandeza de 100 a 800 kg por há/ano, dependendo da espécie utilizada. Fazendo-se uma conta simples, o principal adubo nitrogenado utilizado é a uréia, derivada do petróleo. A uréia é composta por 45% de nitrogênio. Considerando que o preço médio do Kg da uréia é de R$1,00, R$ 0,45 é o preço da sua porção de nitrogênio. Multiplicando este valor por 800kg, cada agricultor pode economizar até R$ 360,00/há/ano de adubos nitrogenados.
Reciclagem de Resíduos Orgânicos
Toda propriedade rural, fatalmente gera toneladas de resíduos orgânicos que podem e devem ser reciclados em benefício das suas lavouras. Sejam oriundos de podas de árvores, estercos animais, restos agroindustriais, etc, todos, representam um volume de biomassa de valor ainda pouco percebido pelos agricultores. Na composição química desta biomassa, encontram-se boa parte dos nutrientes seqüestrados do solo pelas plantas e que podem voltar para a terra através de húmus de minhoca e/ou composto orgânico.
Hoje existem tecnologias que reciclam de forma barata e eficiente estes resíduos. Exemplo disto é a tecnologia de biodecomposição acelerada, que através de um líquido orgânico e biológico, acelera a decomposição da matéria orgânica, que no processo convencional duraria 45 a 60 dias, reduzindo este tempo para 72 horas. Isto revoluciona grandemente a logística de produção de compostagem, que no processo convencional, demanda muito espaço e mão de obra.
Segundo estudos, graças a reciclagem por meio desta técnica, é possível se obter uma economia de 15 a 30% do custo de adubos químicos, produzindo-se fertilizantes de qualidade com recursos oriundos da própria terra.
Esta tecnologia foi desenvolvida em uma universidade do triângulo mineiro e hoje já está presente no vale do rio São Francisco, Brasília, oeste da Bahia e Espírito Santo.
Empreendedorismo Sustentável
Com alguma criatividade, é possível se criar alternativas para agregar valor na atividade agropecuária, sem muito custo e estimulando a sustentabilidade. O agroturismo ou turismo rural é um exemplo. Promover visitações dirigidas, enfatizando a sustentabilidade agrícola e fazendo o comercio dos produtos de forma direta ao consumidor é uma excelente opção.
Hoje em dia e a tendência que se tornem cada vez mais comuns, são os serviços ambientais, que são aqueles prestados silenciosamente pela natureza, entenda-se a regulação de gases (produção de oxigênio e seqüestro de carbono), belezas cênicas, conservação da biodiversidade, proteção de solos e regulação das funções hídricas, etc.
Muitas outras técnicas ou ações poderiam ser citadas como exemplo de práticas sustentáveis na agricultura e muitas outras deverão surgir, mas antes de tudo e pra que tudo seja perfeitamente aplicável deve-se promover a sustentabilidade com retorno econômico na consciência de cada indivíduo.
Engenheiro Agrônomo e responsável técnico da Sanvale Gestão Ambiental – www.sanvale.com | hawston@sanvale.com
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