Proposta de anfitriões vaza e cria celeuma em cúpula

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O vazamento de um texto preliminar proposto pela Dinamarca na cúpula clima em Copenhague indicou a disposição do anfitrião da conferência em ceder aos apelos dos Estados Unidos por um acordo frouxo antes mesmo do início formal das negociações.

O rascunho dinamarquês, que emergiu ontem na versão on-line do jornal britânico "The Guardian", circula há dez dias e chegou a ser submetido para consulta na semana passada ao Brasil e outros países, que discordaram da versão.

Ele tira do horizonte um acordo com peso legal e restringe o financiamento dos países desenvolvidos aos "mais pobres e vulneráveis" -o que exclui da lista de destinatários os grandes emergentes.
Em contrapartida, China, Brasil, Índia e África do Sul, com o primeiro à frente, circulam entre os emergentes uma versão alternativa que prevê cobrar mais Washington. Mas o texto, segundo fontes ouvidas pela Folha, não agradou aos demais países em desenvolvimento do G77 e deixou o Brasil em posição desconfortável.
O negociador-chefe do país, Luiz Alberto Figueiredo Machado, minimizou. "O texto está sendo circulado pela China. Ele contêm algumas ideias que podem constar da declaração final, mas não há consenso [de todos os quatro] sobre todos os pontos", disse à Folha.

"COPXX"
Já o texto dinamarquês cita um compromisso em auxiliar os países mais pobres a se adaptarem à mudança climática. Ele não cita assistência aos países em desenvolvimento com emissões a mitigar -e, nesse ponto, é uma ruptura com o Plano de Ação de Bali, documento que serve de base à discussão em Copenhague.

Mas cobra deles metas. No Protocolo de Kyoto (1997) só os países desenvolvidos, maiores responsáveis pelo aquecimento global, tinham de se comprometer com o corte. Dos quatro grandes emergentes, o Brasil prevê um desvio de até 39% de suas emissões projetadas para 2020 e a África do Sul propõe cortar 34% das suas. China e Índia propõem uma"redução da intensidade de gás carbônico" em suas economias -camuflagem retórica para aumento nas emissões.

Segundo uma fonte europeia, a versão que vazou no "Guardian" já sofreu modificações. Mesmo assim, ela foi suficiente para causar ruídos e virar o foco do dia de ontem por indicar a tendência prematura do anfitrião da cúpula, o premiê Lars Rasmussen, de desistir de um acordo forte. De saída, por exemplo, ele declara o resultado de Copenhague "um acordo político" e remete a decisão sobre o acordo legal para a "COPXX", ou seja, alguma conferência do clima futura (Copenhague é a COP-15).

"O documento deslegitima o governo da Dinamarca por fazer uma coisa tão tendenciosa", disse Kátia Maia, da ONG Oxfam. "O texto atropelou um pouco as negociações que estavam em curso", afirmou Sérgio Serra, o embaixador brasileiro para mudança do clima.

Segundo Luiz Gylvan Meira Filho, especialista em negociação climática da USP, o texto dinamarquês tem um único defeito: existir. "Ele perpetua uma clivagem entre países desenvolvidos e em desenvolvimento que está na origem de vários problemas da negociação", afirmou. "Ao mesmo tempo, reconheço que ele terá um impacto na negociação."

As expectativas agora se voltam para um terceiro texto, que vem sendo preparado por Michael Zammit Cutajar, líder do grupo de trabalho de Ações Cooperativas de Longo Prazo.
Diferente dos outros dois, ele é resultado do que tem sido discutido por todos os países e sua elaboração foi autorizada pelas demais partes. Estaria, portanto, mais próximo do que pode ser o acordo final.

Folha de São Paulo
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