São Paulo vive, novamente, o caos provocado pelas enchentes que assolam a cidade todos os anos. 2010 começou com a ressaca das fortes inundações ocorridas em dezembro e parece se afogar cada vez mais na água que sobe quase todas as tardes, quando as chuvas de verão mostram sua força. Os bairros próximos aos rios da Bacia do Tietê são os que mais sofrem. Foi por isso que o governo do estado publicou na última quarta-feira (6) resolução que endurece o licenciamento de novas obras em regiões de várzea, não só na capital paulista. Para o Ministério Público Estadual, a resolução chegou tarde demais.
Maria Amélia Nardy Pereira, promotora de Habitação e Urbanismo do MPE, desde setembro tenta paralisar as obras de duplicação da Marginal Tietê por entender que impermeabilizar ainda mais o solo na região só agravará o problema das enchentes. Para ela, soluções paliativas não vão resolver erros do passado. “Essa recomendação é inócua. A várzea [do Tietê] já está 89% ocupada. Agora que aconteceram os problemas [das enchentes nos bairros da zona leste] o governo do estado resolveu agir. Mas quem permitiu que surgissem o Jardim Pantanal e o Jardim Romano?”, pergunta-se a promotora, em referência aos dois bairros que mais vêm sofrendo com enchentes desde dezembro passado e que foram construídos, majoritariamente, em local irregular.
Vinícius Madazio, da Organização Rede das Águas, concorda com a promotora. “Já existem várias ferramentas legais, como a APA do Tietê, por exemplo, de restrição de uso do solo nestas regiões, mas nunca são postas em prática. Embora tudo o que restrinja cada vez mais [o uso ] nessa região seja bem-vindo, o que precisávamos fazer é uma revisão séria do uso de ocupação do solo na cidade”, diz. Madazio lembra que a ocupação das áreas alagadas do Tietê é uma questão histórica, já que o rio sempre foi visto como uma barreira a ser superada e as regiões de várzeas problemas de saúde pública, por ser habitat de insetos transmissores de doenças. O descaso do poder público em relação a elas e sua baixa valorização foram os motores para a maciça ocupação – regular e irregular - que a capital paulista vivencia agora. “A área toda em que está a USP [Universidade de São Paulo] foi aterrada. Ali era a várzea do rio Pinheiros”, explica Madazio.
Obra controversa
A visão do Ministério Público é de que as enchentes na região da Marginal e bairros próximos foram provocadas por uma série de fatores, como a falta de varrição e o lixo acumulado nas vias – que também contribuíram para inundações em outros pontos da cidade: na quarta-feira, por exemplo, o Centro de Gerenciamento de Emergência da Prefeitura registrou ao menos 19 pontos de alagamento. “A obra, por si só, não é responsável pelos alagamentos. Porém, ela está justamente onde a água avança primeiro, no que chamamos de segundo leito do rio”, explica Madazio, da Rede das Águas.
Apesar desta associação de fatores, a falta de manutenção da calha do rio Tietê e a retirada das poucas árvores que ainda existiam nas bordas do rio para a duplicação da marginal, segundo a promotora Maria Amélia, são, sim, fatores determinantes para a subida da água. Entre os documentos que integram o inquérito que investiga a obra, por exemplo, está um parecer da Associação dos Geógrafos do Brasil alertando para os riscos da impermeabilização do solo para o transbordamento do rio.
Somam-se aos estudos técnicos anexados ao inquérito, fatos concretos. Desde o início das obras de rebaixamento da calha do Tietê, em 2002, o rio já transbordou três vezes. Antes disso, por três anos as águas não tomaram as vias marginais. Na época da inauguração da obra, em 2006, o governo estimava que a possibilidade de inundação cairia de 50% para 1%, pois o Tietê teria dobrado sua capacidade de vazão. Os resultados do rebaixamento da calha, no entanto, estavam condicionados a um serviço permanente de limpeza do rio, o que, segundo o inquérito, não vem ocorrendo.
Apesar dos indícios de que a duplicação da marginal Tietê podem mais prejudicar a capital paulista do que ajudá-la, o Ministério Público Estadual não conseguiu nenhuma vitória. Em decisão recente, o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou a continuação dos trabalhos. Na época da primeira liminar que pedia a suspensão das atividades, em setembro, a Dersa informou que a obra irá impermeabilizar apenas 0,006% da Bacia do Tietê , número usado até hoje como argumento para continuação das atividades.
“O que se questionou é esse valor. Se fala em 0,006% em toda a bacia, mas [a Dersa] não trouxe o impacto para o local da obra, o quanto isso repercute localmente. A coisa foi tão açodada [precipitada], sem requisitos mínimos, sem estudos profundos, sérios, que agora que pegamos uma estação de chuva ficou evidenciado que a coisa está mal feita. E ainda vamos viver um caos maior”, disse a promotora. Outro problema na obra de duplicação da Marginal que vem sendo colocada à tona nestes dias chuvosos é a falta de um plano de emergência. O inquérito do MPE apontava para esta lacuna, mas nada foi feito. Isso significa que a obra, criada justamente para desafogar o trânsito, pode se tornar completamente inútil em dias de forte chuva, quando o alagamento pára completamente o fluxo de veículos. “Como promotora eu lamento muito [a decisão do Tribunal de Justiça de não acatar a recomendação do MPE]”.
Soluções equivocadas
Para a promotora de Habitação e Urbanismo, a resolução do governo do Estado publicada esta semana mostra como o governo é controverso em suas decisões. Ao mesmo tempo em que tomas medidas para tentar conter o problema das enchentes, permite a execução de uma obra que dá todos os sinais de que só tende a agravar a situação.
Segundo a organização Rede das Águas, o caminho para resolver o problema é outro. “Primeiro o governo tem que colocar o plano diretor da cidade em prática. Depois seria necessária uma política séria de restrição ao uso de áreas de várzea associada a uma política de habitação, para realocar com dignidade os moradores que seriam retirados dessas áreas. O governo também precisa rever a prioridade que dá ao uso do solo. Duplicando a marginal ela só incentiva ainda mais o uso de carros e está muito claro que a cidade precisa de transporte público de qualidade”, diz Vininius Madazio.
Cristiane Prizibisczki
O Eco
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