Após 40 anos, índios do AM retomam cerimônia proibida por religiosos

Ecoturismo & Sustentabilidade

Ritual serve para batizar crianças recém-nascidas. Chás alucinógenos e ervas estimulantes são usados na festa.

Um ritual proibido por religiosos foi retomado depois de 40 anos pelos índios tuyukas, que vivem no noroeste do Amazonas, uma das regiões mais remotas e belas do Brasil. A cerimônia, que tem chás alucinógenos, ervas estimulantes, benzeduras e invocação de espíritos da floresta, serve para batizar as novas crianças que nascem na aldeia.

A proibição dos missionários católicos que evangelizaram os índios no século passado. “Toda a coisa do índio, danças, vestimentas, a própria língua, era considerada como uma influência satânica”, explica Higino Tenório, líder do povo tuyuka. Com a modernização da igreja, o misticismo indígena deixou de ser pecado, e a cultura começa a ser resgatada.

Os tuyukas são um dos vinte e três povos da Cabeça do Cachorro, no noroeste do estado do Amazonas, a região de maior diversidade étnica do Brasil. Partindo da cidade de São Gabriel da Cachoeira, no alto Rio Negro, são três dias e meio de lancha, e 364 curvas no interminável ziquezague do Rio Tiquié até a aldeia Tuyuka de São Pedro, na fronteira com a Colômbia.

Para chegar até lá, é necessário vencer cachoeiras: tudo tem que ser retirado da lancha e embarcado mais pra frente, em trecho mais calmo rio acima.

Mistura de ervas
Um bebê de apenas dez dias é o motivo da festança. O ritual chama-se “Yeriponá baseriwi”, que em tuyuka significa “ritual de dar o nome”. Há 40, quando deixou de ser realizada, era a festa mais importante e motivo mais do que suficiente para interromper a rotina da comunidade para dar as boas vindas a um novo membro da aldeia. O nome escolhido para o menino foi Buá. “é um tipo de flauta sagrada”, conta o pai do bebê, Geraldino Tenório.

Um dos ingredientes do ritual é o epadu, o nome indígena da folha de coca. Na aldeia, são cerca de quinhentos pés plantados e colhidos pelos próprios índios. “Branco que plantar isso vai preso, né? Porque ele não usa no ritual, né? Ele estraga a humanidade, né?”, questiona Higino Tenório.

As folhas de epadu são torradas e socadas no pilão. São juntadas a folhas de embaúba, que são queimadas até virar cinza. A mistura é batida, peneirada numa bolsa, que parece um coador de pano. O resultado é um pó mais fino, com propriedades energéticas e anestésicas.

Os índios consomem o pó aos punhados. A boca fica dormente e o sono vai embora – a ideia é justamente ficar acordado durante os dois dias da festa. “A gente vai lembrando o que esqueceu. A gente vai pensando até lembrar tudo. Reaviva a memória.”, conta o benzedor Raimundo Tenório.

É o epadu que abre caminho para a ação do carpi, um alucinógeno feito com a casca de cipó, macerado no pilão, misturado à agua fria, coado, e bebido pelos sábios da aldeia. Um chá amargo, indigesto. Mas, dizem os índios, capaz de revelar espíritos invisíveis. “A gente vê cobras, cobras tudo pintado. A gente vê os triângulos”, conta o índio tuyuka José Barreto Ramos. As visões são reproduzidas nas paredes da grande maloca e passadas também para o rosto e para o corpo.

Ninguém pode comer nada. Apenas epadu. E beber, só carpi e caxiri, a bebida fermentada de mandioca, com teor alcoolico semelhante ao da cerveja. E só pode ser consumido o que os pajés benzerem, inclusive o tabaco e o rapé.

Poderes dos animais
Uma espécie de ladainha com a narrativa do mito tuyuka da criação da humanidade é entoada de vez em quando. Uma a caixa sagrada de adornos é aberta, e dela saem colares de dentes de onça e flautas de osso de anta, adornos que são como prolongamentos do corpo dos índios. Eles servem para transferir poderes dos animais dos quais foram extraídos para quem os estiver usando. Os cantos falam sobre os animais, as plantas, as visões, os espíritos da floresta.

Durante o ritual, o bebê passa de colo em colo, por todas as mulheres da família, como maneira de dizer a ele que será cuidado e acarinhado pela comunidade inteira. Quem dá a benção final é a anciã da aldeia. Apesar de seu nome, Buá, não chorou. Durante os dois dias de seu longo batizado, apenas dormiu e mamou enquanto o povo celebrava sua chegada.

Do Globo Amazônia, com informações do Fantástico

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