Em Copenhague, Equador quer fundo para preservar petróleo

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Na contramão da euforia brasileira em relação ao pré-sal, o Equador participa da conferência do clima de Copenhague, nesta semana, querendo lutar para manter 20% das suas reservas de petróleo debaixo da terra.

O país, que tem sua economia e matriz energética fundamentadas na exploração petrolífera, quer convencer os desenvolvidos de que vale a pena pagar bilhões de dólares para evitar a emissão de 407 milhões de toneladas de CO2.

Chamada de "uma grande ideia de um pequeno país", a ousada Iniciativa Yasuní-ITT propõe que países ricos doem US$ 7 bilhões (mais de R$ 12 bilhões) para um fundo internacional em nome do Equador em troca da garantia de que nunca explorará o bloco petrolífero ITT.

Descoberto nos anos 90, o ITT concentra um quinto das reservas de petróleo de um país onde esse produto representa mais da metade das exportações e quase um terço da receita.

O trunfo utilizado pelo Equador nesse projeto é que o ITT está, ao menos em parte, debaixo do Parque Nacional Yasuní, região preservada da Amazônia considerada única, entre outros motivos, por causa da sua biodiversidade. Outro fator é que, ao lado, existe uma reserva onde vivem comunidades indígenas quase isoladas.

"Essa Amazônia está relativamente intacta comparada à do Brasil, onde há desmatamento. Além disso, muitos modelos de mudanças climáticas mostram que a Amazônia brasileira tende a ficar mais seca, enquanto a do oeste continuará úmida, porque nuvens continuarão se chocando contra os Andes, e a água continuará caindo", diz o cientista Matt Finer, da ONG americana Salve as Florestas da Amazônia.

O discurso tem raízes na Petrobras. Em maio de 2005, depois de dois anos de discussões sobre os impactos ambientais na região, a estatal brasileira começou as obras para explorar o Bloco 31, que, demarcado muitos anos antes, também atingia a reserva.

Quando estava às portas do parque Yasuní, a empresa teve a autorização cassada pelo recém-empossado presidente, Alfredo Palacio. Em setembro de 2008, a petroleira decidiu deixar a região.

"O plano da Petrobras previa sete plataformas em uma área remota de floresta. Para acesso, seria preciso construir uma rodovia ou um trem. E, mesmo sem rodovia, haveria helicópteros subindo e descendo [alternativa proposta pela petroleira ao Equador].

Seria preciso ainda construir um oleoduto para tirar o petróleo dali. Toda essa conversa de tecnologia de ponta e de baixo impacto é complicada. Não há como tirar esse petróleo sem grande impacto", diz Finer.

O montante que o Equador pede das nações desenvolvidas equivale ao lucro da exploração do ITT, conforme cálculos baseados no preço médio dos créditos de carbono.

Pelo projeto, o dinheiro das doações obtidas seria aplicado pelo Equador principalmente para mudar a matriz energética, hoje dependente 47% de petróleo. Mas haveria também investimento na preservação de 40 reservas, incluindo a Yasuní, e no desenvolvimento social das populações dessas áreas.

A reportagem procurou a Petrobras para comentar as críticas ao antigo projeto, mas não obteve resposta.

Viabilidade
O principal questionamento em relação à Iniciativa é referente à sua viabilidade econômica. Segundo o economista argentino Osvaldo Kacef, diretor da Divisão de Desenvolvimento Econômico da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), devido ao alto grau de especialização, o Equador vive uma situação econômica frágil, na qual precisa de políticas públicas para garantir a divisão da riqueza gerada pela exploração de petróleo.

"Esse governo que está agora no Equador [do presidente Rafael Correa] aumentou bastante as medidas públicas, mas o país ainda vive um problema social muito grande."

Para Kacef, a implantação da Iniciativa Yasuní-ITT parece "difícil". "É uma questão soberana, e o país tem o direito de fazê-lo [abrir mão da exploração], mas estamos falando de uma massa de recursos tão grande que parece difícil substitui-la com um fundo. [...] Se alguém garantir esses recursos, eles até poderiam ir para outras atividades [gerar empregos], mas não vejo isso ocorrendo, e, assim, privar o país de usar a riqueza que tem é complicado."

Em entrevista concedida à Folha Online por e-mail, o economista Roque Sevilla, presidente do Conselho Administrativo da Iniciativa Yasuní-ITT, reconhece que a proposta envolve um "grande sacrifício econômico" por parte do Equador, mas que é uma forma de começar, com "força e criatividade", a mudar a situação.

"O caminho holístico proposto pela Iniciativa é o que se deve seguir. É preciso ver o tema de forma mais ampla, cobrindo três elementos fundamentais, que são o aquecimento global, a proteção da biodiversidade e a redução da pobreza e da desigualdade", defende. "É uma proposta que vem de um país pequeno, em desenvolvimento, e que representa uma medida real para evitar o aquecimento global atacando a base, ou seja, os combustíveis fósseis", diz Sevilla.

Questionado sobre o fato de o Equador ter chegado a Copenhague tendo a Iniciativa Yasuní-ITT como carro-chefe ao mesmo tempo em que constrói uma nova refinaria, Sevilla afirma que este é o "primeiro passo para ir de uma economia dependente de petróleo para uma de energias renováveis". "Estamos iniciando uma transição. A economia petroleira está em vigor há 40 anos. Não se pode cortá-la de supetão", diz.

Garantias
Outro problema do projeto é justamente a ameaça do petróleo adormecido. Embora a nova Constituição garanta a preservação de reservas, ela prevê a própria ineficácia em casos de "interesse nacional". Com a Iniciativa ITT, porém, o Equador emitiria, para os países doadores, certificados nos quais se comprometeria a devolver todas as doações, caso mude de ideia.

"Essas reservas são, certamente, de interesse nacional, é fácil alegar isso", diz o cientista americano. "A Constituição é ótima, mas há esse buraco, que a Iniciativa ITT iria cobrir. Está muito claro que, se a Iniciativa não funcionar, eles [equatorianos], vão explorar."

O projeto da Iniciativa Yasuní-ITT mudou bastante desde que surgiu, em 2007. Originalmente, ele previa que os certificados fossem válidos no mercado de carbono criado pelo Protocolo de Kyoto e que tem validade garantida apenas até 2012 --a expectativa é a de que o prazo seja estendido agora, na conferência de Copenhague.

Os ecologistas, entretanto, questionavam a possibilidade de os certificados equatorianos serem usados, pelos países doadores, como uma "licença para emitir". O advogado especialista em direito ambiental Flávio Gazani, presidente da Abemc (Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Carbono), levanta ainda o fato de que a aprovação da Iniciativa ITT pela ONU (Organização das Nações Unidas), em conformidade com o Protocolo de Kyoto, levaria anos.

"Eu entendo a busca por esse caminho [de doações e não mercado] pelo governo equatoriano, porque eles não conseguiriam fazer esse projeto dessa maneira. [...] Não existe uma metodologia para o que eles estão propondo [cálculo de não emissão]. Isso teria de ser submetido e aprovado, o que levaria uns dois anos", explica.

Se a Iniciativa ITT falhar, a liberação daquele bloco seria uma oportunidade para a Petrobras e ainda destravaria a exploração do Bloco 31, nas mãos da estatal equatoriana Petroecuador desde a retirada da petroleira brasileira. A reportagem encaminhou à Petrobras questionamentos a respeito de seus planos de atuação no país, mas não obteve resposta.

Implantação
Em Copenhague, ainda conforme o governo equatoriano, o objetivo será "buscar reconhecimento" com base na "consciência crescente do mundo de que o aquecimento global é uma ameaça real e de que são necessárias medidas drásticas e urgentes".

O cientista Finer, porém, diz acreditar que a esperança real do país seja conquistar seus primeiros doadores. Recentemente, a Alemanha afirmou interesse em colaborar, mas, na opinião do cientista, "não quer ser o primeiro". "Minha impressão é a de que eles [governo do Equador] estão 100% comprometidos, principalmente no longo prazo. [...] Se o mundo fizer a sua parte, acho que vai funcionar. O problema é se eles só conseguirem uma fração do dinheiro. Mas, daí, não seria realmente culpa do Equador, não é?", questiona.

Folha Online
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