Mercado financeiro ignora onda sustentável

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Há poucas semanas, um manifesto cobrando metas ambiciosas na redução de emissões de gases para a reunião de Copenhague (COP-15), em dezembro, causou surpresa. Não por seu conteúdo, semelhante ao de várias manifestações divulgadas naquele momento, mas pelo ineditismo dos signatários: 181 investidores institucionais de peso no mercado financeiro, que juntos administram mais de US$ 13 trilhões em recursos. A surpresa veio do fato de os investidores serem um grupo geralmente discreto nesse debate. A velocidade com que a sustentabilidade (na qual a questão climática ocupa hoje papel central) vem sendo incorporada nas estratégias de negócios das empresas, inclusive nos bancos, contrasta com a percepção média sobre o tema no mercado financeiro.

"É um paradoxo. Ao mesmo tempo em que o mercado financeiro praticamente ignora essas questões, o setor produtivo e as cadeias varejistas passam a tê-las como exigências cada vez mais presentes", afirma o professor Ricardo Abramovay, da FEA-USP. "Veja o caso da carne rastreada na Amazônia. A decisão das grandes redes varejistas de suspender a compra dos produtos e de instituições como o IFC [International Finance Corporation] de cancelar os financiamentos quase gerou a falência de algumas das empresas envolvidas", afirma.

Segundo gestores e economistas de mercado ouvidos pela Folha, esse desinteresse tem uma explicação básica: a sustentabilidade não forma preços. "Sobretudo na renda fixa, os ativos não são afetados diretamente por esse tema", diz o economista Fábio Akira, do banco JPMorgan.
"Enquanto as mudanças climáticas ou a questão social não forem percebidas como uma restrição importante para o crescimento das economias, enquanto o padrão de consumo não se alterar, o mercado continuará vendo esse tema da sustentabilidade como uma questão secundária", diz o tesoureiro de outra grande instituição financeira.
Com exceção dos grandes bancos comerciais, as raras manifestações de interesse dos agentes do mercado pelo tema restringem-se a dois grupos não necessariamente distintos: os investidores institucionais, como fundos de pensão e seguradoras, e os participantes do mercado de renda variável, sobretudo da Bolsa.

Para fundos de pensão e seguradoras, de perfil mais conservador, o horizonte de longo prazo para o retorno dos investimentos se alinha perfeitamente a práticas sustentáveis, ainda que isso não tenha se traduzido em fluxos. Daí o apoio institucional a ações como a dos Princípios para o Investimento Responsável (PRI, na sigla em inglês), programa da ONU que busca estimular a incorporação de variáveis sociais, ambientais e de governança nas análises de investimento.

"De qualquer forma, o mercado de ações ainda tende a olhar a questão da sustentabilidade mais pela ótica da redução de riscos associados do que pela geração de retorno adicional. Ou seja, de maneira tímida", diz o superintendente de Renda Variável do Itaú Unibanco, Walter Mendes. No caso do mercado brasileiro, investidores alegam ainda que é bastante difícil selecionar apenas empresas e ativos sustentáveis na alocação de seus recursos. "Olhe para o caso da Petrobras, que foi excluída do ISE [Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bovespa] no ano passado. Alguém deixou de investir na empresa por conta dessa exclusão? A resposta é não", relata o gestor de um grande fundo de pensão.

O investidor pessoa física também encontra dificuldades semelhantes. Por exemplo: existem oito fundos de ações (cada um de um banco diferente) que seguem o ISE, composto de ações de empresas que adotam estratégicas de sustentabilidade. O patrimônio desses fundos, somados, não ultrapassa R$ 833 milhões -0,59% do patrimônio total da indústria de fundos de ações no país. O mesmo ocorre com os fundos ligados ao mercado de créditos de carbono, ainda mais raros.

Na opinião de Abramovay, da FEA-USP, esse cenário tende a mudar. "A chegada de um novo padrão de desenvolvimento econômico, que incluirá um novo padrão de consumo, parece inevitável a cada dia."

André Palhano
Folha de São Paulo
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